sábado, 8 de outubro de 2016

"Gostavas de ser magra?"

"Gostavas de ser magra?"
Na verdade, sempre achei que era a coisa que eu mais desejava. Desde pequena que sonhava ser magra.
"Mas hoje, agora, se pudesses estalar os dedos e ficar magra, querias?"
E, de repente, a resposta não é logo que sim. 
"Mas então, se querias ser magra, porque é que não emagreceste? Com força de vontade e disciplina tudo se consegue."
Em toda a minha vida, já fiz imensas dietas. Já consegui perder peso. Nunca consegui manter o peso perdido (saiu, recentemente, um estudo que diz que afinal apenas  5% das pessoas conseguem manter essa perda e outro que diz que o nosso corpo luta contra a perda de peso: pasme-se! e não é que o nosso corpo pensa que estamos a morrer à fome?). E sempre me senti uma merda por isso, sempre achei que a minha força de vontade era um desastre. Senti-me sempre derrotada...
(É realmente isso que os pais querem que os filhos sintam quando lhes mandam fazer dietas?! Atenção: sou totalmente a favor de um estilo de vida saudável, com foco em escolhas alimentares saudáveis e com prática de exercício físico. Só defendo que o foco deve estar em ser-se saudável independentemente do corpo que se tem. Há pessoas gordas saudáveis, há pessoas gordas que não são saudáveis, há pessoas magras que são saudáveis, tal como há pessoas magras que não são saudáveis).
"Então, mas agora há tantas dietas novas, alguma há-de resultar! Pessoa X fez a dieta y e perdeu imenso peso!!"
Sabes que mais? Estou-me nas tintas para isso!! 
Agora, não sei se quero ser magra. O que eu sei, é que quero ser feliz. O que eu sei é que quero ajudar as pessoas que se sentem como eu a ser felizes. Há pessoas magras felizes e há pessoas magras infelizes. Há pessoas gordas felizes e há pessoas gordas infelizes. Eu só quero mesmo é ser feliz. E se há pessoas magras infelizes, se calhar, ser-se magro não é assim tão perfeito como eu achava...
Sabes que mais? Fartei-me!! Já que sou gorda, agora a minha força de vontade vai toda para ser feliz!!!
"É fácil?"
Não, é muito difícil: passei 30 anos a acreditar que ia ser muito mais feliz se fosse magra. A guardar vestidos que um dia me iriam voltar a servir. A achar que todos os meus problemas iriam acabar se perdesse peso... (outro estudo que fizeram nos Estados Unidos, conta que crianças de 10 anos têm menos medo ter cancro ou perder um dos progenitores do que ser gordas (http://www.upworthy.com/most-10-year-olds-are-more-afraid-of-getting-fat-than-getting-cancer) Porra, se o mundo não está todo lixado, não sei como poderá piorar...)
 É difícil para toda a gente gostar de si própria, gostar do seu corpo.
"Mas então, é difícil ser-se gordo?"
Sim, é. Mas melhora com amor próprio. E melhora com o amor e compreensão dos outros. E também irá melhorar se as pessoas pararem de olhar para o meu corpo e pensarem em diabetes e em todo o tipo de doenças que a indústria de milhões das dietas quer que pensem. E melhora se as pessoas pensarem mais em doenças como depressão, distúrbios alimentares, ansiedade, problemas cardiovasculares provocado pelas dietas yo-yo, suicídio, só coisas boas, né?
"Pois, mas eu só me preocupo é com os problemas de saúde que podes vir a ter com a obesidade..."
Pois, mas olha, obrigada pela tua preocupação, mas eu prefiro que te preocupes com o mal que a tua preocupação faz à minha mente. Prefiro que te preocupes com a minha auto-estima, com a minha felicidade e com o meu amor próprio.
Portanto, se estás a ler e és meu familiar ou amigo, diz-me que gostas de mim e que respeitas as minhas escolhas. Deixa que os médicos (fora os que são parvos e acham que o excesso de peso é a causa de todos os males, mas isso é conversa para outro dia) vejam as minhas análises e preocupa-te antes com a minha felicidade! É que sabes: ainda há outro estudo que diz que quanto mais gostares do teu corpo, mas vontade e facilidade terás de o tratar bem!

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Eu sou gorda.

(Depois de 6 anos, não sabia se continuava aqui ou se fazia um blogue novo. Decidi que prefiro manter todo o meu passado e continuar aqui.)

Não sou cheiinha, gorduchinha, gordinha, forte ou rechonchuda: sou GORDA.
Gorda é uma palavra da língua portuguesa e é um adjectivo: tal como magra, alta, baixa, morena ou inteligente. Assim, não deverá haver qualquer razão para as pessoas terem medo de a usar, ou utilizarem-na apenas quando pretendem ofender alguém. Gorda não é uma palavra má, não é um conceito mau, é só uma palavra que pode descrever uma pessoa, uma almofada ou uma conta bancária (fosse a minha mais gorda e a colecção de roupa da Beth Ditto não me tinha escapado!).
Sou gorda e, apesar de, por si só, isso não definir o meu valor, o facto de ser gorda desde que nasci (o que indica que provavelmente sê-lo-ei toda a vida de acordo com estes investigadores - http://newsroom.ucla.edu/releases/Dieting-Does-Not-Work-UCLA-Researchers-7832 ) ajudou a definir a pessoa na qual eu me tornei.
Apesar de me ter tornado numa pessoa mais insegura e menos confiante, creio que também me tornou numa pessoa mais compreensiva, aberta, ponderada a fazer julgamentos, simpática... Acredito que quando crescemos a sentir que o nosso exterior tem menos valor, investimos ainda mais no interior. Infelizmente, a sociedade bombardeia-nos diariamente com uma série de preconceitos sobre o que deve ser valorizado, o que é bonito ou feio, o que é bom ou mau, o que é normal ou não. Crescer numa sociedade com padrões de beleza irreais e tão redutores é mesmo uma grande m#rda!!
Eu sei como te sentes quando te dizem, mesmo com a melhor das intenções "a tua cara é tão linda, se fosses mais magrinha...", "ahh, tens uma carinha tão bonita!!" (então e o resto?). Por isso, imagino como seja quando te dizem que és magra demais, baixa demais, que devias gostar de pessoas do sexo oposto, que devias tirar essas ideias da cabeça e animar-te, que devias sair mais, que devias sair menos, que és muito atiradiça, que estavas mesmo a pedi-las. São tudo coisas que nos magoam e que fazem que achemos que valemos menos que os outros.
Dizer a alguém que ela está mais magra não é um elogio, tal como dizer a uma pessoa que ela está mais gorda também não deverá ser uma ofensa.
Sou gorda e não tenho que me justificar. Não tenho que te dizer se faço, ou não, exercício com regularidade, nem tenho que te dizer o que como. Porque, na verdade, ninguém tem nada a ver com isso. Ninguém consegue olhar para o meu corpo gordo e dizer se sou, ou não, saudável. O meu corpo não diz nada da minha tensão arterial, dos meus níveis de colesterol, do estado do meu coração, se tenho diabetes (ainda não encontrei nenhum artigo científico que estabeleça uma relação de causalidade entre a obesidade e a diabetes tipo 2). E, principalmente, não tenho que me justificar porque não fiz nada de mal ou de errado. O meu único erro foi, e é, não me amar ainda mais: mas pratico todos os dias!!
Porque ser gorda não é pecado e nem é, tampouco, uma coisa má.
É o meu corpo e cada dia gosto mais dele. As minhas pernas, gordas e com celulite, são maravilhosas e são perfeitas: todos os dias me levam onde preciso - até já me levaram a Nova Iorque, a Londres e a Paris. A minha barriga grande serve sempre de apoio para ler nos transportes públicos e já apoiou tantos mundos e tantas estórias encerradas em dezenas de livros. O meu peito já acolheu tantas lágrimas num abraço... Como é que eu posso não gostar de um corpo que tem sido tão bom para mim?!
Tenho roupa de imensos tamanhos - M, L, XL, XXL, XXXL, 50, 46, 52, 48, 54 - mas a verdade é que não sou definida por uma letra e, muito menos, por 2 números!!
E não, já não acho nada que a verdadeira beleza é a interior. Porque somos todos bonitos por dentro e por fora, à nossa maneira. Porque não é porque a sociedade se lembrou de dizer que bonito é ser magro, que o meu corpo gordo (e quem sabe o teu?!) deixa de ser menos bonito. Não somos bonitos às metades nem às partes: somos bonitos por inteiro. Eu não sou bonita apesar de ser gorda. Eu sou bonita, ponto final. Por acaso, também sou gorda. Por acaso, sou bonita e gorda.

Há muito para dizer e muito caminho para ser percorrido na viagem do amor-próprio. Espero documentá-lo aqui.
Escrevo todas estas linhas hoje para me ajudar a acreditar todos os dias que sou gorda e maravilhosa, mas também para dizer a todas as pessoas que podem ser gordas e maravilhosas. Que, aliás, até podem ser ainda mais maravilhosas por serem gordas. Porque a chave para se ser maravilhoso não é ser-se gordo ou magro: é ter uma quantidade enorme de amor-próprio!
Quero dizer a todos os pais e a todos os filhos que se pode ser gordo e maravilhoso e bem sucedido e feliz. E quero pedir a todos os pais que, se por acaso, lerem as minhas palavras, ajudem os vossos filhos e amarem-se, independentemente do que a sociedade lhes diga.
E quero dizer, também, que a frase "as mulheres reais têm curvas" vai contra tudo o que eu acredito. Porque para uma mulher ser real, basta ser mulher. E que frases como "os homens preferem as gordinhas" são ridículas: em primeiro lugar porque nenhuma mulher deve julgar o seu valor com base  naquilo que um homem pode pensar dela, e depois porque existem pessoas com todos os gostos e a beleza é extremamente subjectiva.